Foram-se as cartas e com elas as declarações de amor infinito e desejo proibido. O olhar de ternura foi substituído por máquinas indomáveis, antidepressivos e solidão, muita solidão.
A fome dilacera. A cidade se acelera As ruas tem mais luzes que ‘as gentes’ e são, ainda assim, sombrias. As terras são pra poucos, poucos que não são bons. As marquises são casas. Negros e negras são alvos de pistolas e carros pretos.
A pobreza é crime. O crime dos proprietários é perdoado. São anistiados os donos e donas do capital.
Secou a lágrima que pingou no beiço do menino que morreu de sede. Secou o rio que teve seu curso mudado por homens e mulheres de barriga cheia. Secou na terra a moça que arrancou do ventre a criatura que não poderia nascer.
É tempo de desilusão.
De pouca coragem e muito medo. Muito gado e pouca comida na mesa. Mentiras descaradas. Verdades que não são contadas. Tempo de morros que desabam. Olhos que deságuam. Velhos e velhas tristes. Gritos sem poesia. Covardia.
É tempo de desilusão, é sim. Mas, por isso mesmo, tempo de exigir respostas. Novas propostas. Tempo de reunião. De ação. Indignação. Tempo de multidão. De arrancar vida dos campos mais áridos, força dos corpos cansados. Tempo de seguirmos todos a mesma direção: a que hoje, por enquanto, é a oposição.
É tempo de desilusão, sei que é. E por causa disso, é tempo de revolução. Tempo de sermos homens e mulheres que se contagiam. Tempo de desejo e de desejar: a mudança plena, radical, encantadora. E não só desejar: crer. E mais que crer: lutar.
O tempo é de desilusão, eu sei. É tempo, por isso, de reorganização. De redenção. De supressão do capitalismo que aniquila o amor. É tempo de amar, amar e amar. E amando muito, é tempo de se engajar. Tempo de por fim ao pouco tempo, ao fim dos tempos, à desilusão. E à ilusão também.
É tempo de esperança, tenho certeza. De ir. Sem parar. Tempo de mãos dadas. Tempo de se entregar. Tempo de criança na escola e prato cheio. Tempo de terra dividida e gargalhada. De acabar com a separação entre homens, mulheres e natureza. Tempo de felicidade. Tempo de partilhar.
Tempo de lutar. Lutar e romper. É agora, eu sei, nessa incontestável desilusão, o tempo do libertar.